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  • Foto do escritorPriscilla Nogueira Castro

Autistas e estudos para concursos

Olá queridas autistares, demorei muito pra voltar a navegar em minhas escritas, mas as mesmas paixões que me levaram me trouxeram pra cá. Estou de volta pra escrever sobre questões que eu julgo muito dissimuladas com a realidade de nós autistas e que não vejo alguém falando sobre. Fiquem à vontade para navegar comigo pelas "entrelinhas" desse texto preparado para vocês com toda empatia!


 

Mercado de trabalho: o que nos resta?


Recentemente me ocorreu de conversar com uma colega de universidade e ela me relatar de uma dificuldade que nós autistas possuímos, mas que não temos coragem ou meios pra "urrar" pro mundo o quão estamos insatisfeitos sobre a forma com que nos tratam nessa dificuldade.

A dificuldade na qual me refiro é a do "Mercado de trabalho". Quando a gente fala nele, nós autistas, até temos calafrios, muitos dão crises emocionais por causa dessas 3 palavrinhas e até crises fisiológicas. Diarreias, vômitos, enjôos, dores pelo corpo, fraqueza muscular, depressão, meltdowns, shutdowns, foto-sensibilidade, taquicardia, braquicardia dentre outros sintomas que se tornam nossos "colegas diários" quando estamos lidando com essas 3 palavrinhas.

Pra nós esse é o pior monstro, maior até que o bicho-papão da infância, escondido por aí nos olhares de nossos pais, de nossos parentes, amigos, professores que nos cobram alguma atitude a respeito desse monstro. Que esperam de nós atitudes neurotípicas diante do Mercado de Trabalho. Diante dessa dificuldade me parece que todos tendem a se esquecer do diagnóstico de Autismo (até nós mesmas).

Para você, leitora, o que te resta? bem, eu diria que restam apenas quatro opções e elas dependem, realmente, de um referencial bem particular: se você nasceu em uma família rica ou numa família de classe média ou se nasceu em uma família pobre.

  • Para os que nasceram em uma família rica, felizmente, o mercado de trabalho não é tão assustador assim (e eu não quero explicar meu ponto de vista nessa parte).

  • Para quem nasceu em família de classe-média: as quatro opções são imensamente válidas para você

  • Mas se você veio de um meio pobre: e aqui a pobreza vai além das condições financeiras, mas também contemplam a capacidade de suprir-se em condições básicas de uma vivência digna sobre essa Terra. Então eu diria, que as quatro opções podem se realizar para você, mas adianto, você terá grandes obstáculos para fazê-las valer pra ti, quando digo "grandes", é "grande" mesmo....

As 4 opções

  1. Empreendedorismo: está no ato de você abrir seu próprio negócio, inovar um produto ou serviço e criar uma start-up ou um microempreendimento. Fazer o "mercado" do seu jeitinho, colocar sua personalidade em algo que você faça bem, mas que não tem a mínima condição emocional e física de fazê-la pra um chefe ou pra outra empresa. Aqui, você é dona, quem cria as regras, quem cria o produto/serviço, sem se preocupar se alguém vai demití-lo ao fim do expediente, ou rejeitá-lo quando souber de sua deficiência ou encorajá-lo a ser mais neurotípico como os seus coleguinhas, caso não, sofrerás um isolamento social dentro da empresa.

  2. Mercado aberto: aqui você já sabe no que é bom, mas tem condições emocionais e físicas para aguentar as pressões de um superior ou normas da própria organização, pois afinal, você executa com maestria seu trabalho, então já conquistou um "lugar ao sol" na empresa. Os colegas de trabalho te acham esquisitona, mas você é uma "gênia" que sai da "lâmpada" de vez em quando, mas quem liga? você faz um ótimo trabalho e a empresa não está nem aí pra sua capacidade de socialização, pois essa não é a prioridade por ali. Esse mercado costuma ser lar até daqueles de "espectro aberto". Bem, os exemplos de mercado como esse estão mais envoltos nas áreas analíticas, matemáticas e tecnológicas. Minhas caras, nessas três áreas, você autista, pode ser o que é sem temer, são verdadeiros submundos de autistas, que renegados no ofuscante mundo da extroversão. Nesse tipo de mercado ainda se está na era das cavernas. No mercado aberto, temos que comparecer por 40 ou 44 horas semanais, presencialmente (se deres sorte, por 30 horas apenas), ouvir vários blá, blá, blá...entrar na competição de quem tem a melhor fofoca, a melhor vida, o melhor final-de-semana, o melhor relatório...daí você finaliza o dia tendo produzido 10% do que poderia, mas esse é o preço que tem que se pagar. Alguns autistas, conseguem, mediante trabalho árduo, cair nas "graças" de seus superiores e, assim, solicita uma sala isolada, o não comparecimento nas mesas do café da tarde e o direito de não opinar nas fofocas neurotípicas. Se quiseres saber mais a respeito tente comunicação com alguém que trabalhe no Vale do Silício, o maior conglomerado de empresas da área de tecnologia, matemática e análise do mundo. Também podes procurar nos grandes cargos de análise, assessoria e consultoria existentes no Brasil, que encontrarás um número surpreendente de autistas trabalhando por ali.

  3. Homework: aqui temos várias áreas dignas de apresentação. São elas: mercado financeiro, marketing digital, artes plásticas, arte digital, fotografia, escrita. Nessas áreas, você trabalha pra alguém ou para você mesma (no caso do "mercado financeiro"), mas não tem que comparecer fisicamente em algum local, que convenhamos, é retrógado demais até para a 10ª maior economia do mundo (Brasil). Algumas empresas do mercado aberto, em número BASTANTE reduzido, conseguem ofertar o homework a alguns de seus funcionários, mas para isso, você tem que ter mostrado MUITA produtividade no ambiente presencial e ter um trabalho altamente específico, que compatível com o isolamento de um homeworking. De todas essas áreas, a que mais chama minha atenção é a do "mercado financeiro", pois vejo muitos autistas ou pessoas com traços autísticos caminhando nessa direção. Eu também estou caminhando nessa direção desde 2014 e pretendo me consolidar nessa área assim que tiver maior fonte de capital para investimento em ações, fundos de investimento, trade e swing-trade, principalmente, no mercado de criptomoedas (nós autistas temos tendência de gostar de pioneirismos, pois assim temos pouca pressão a competir). A área financeira em homerwork deve ser realizada isoladamente, é uma atividade que o obriga a se separar do mundo em um quartinho bem inóspito, em frente Às telas de vários computadores, a fim de espreitar o momento adequado de comprar ou vender seus ativos financeiros. Atividade que também exige grande concentração (algo que os autistas tendem a ter em excesso na forma de hiperfoco), exige precisão, seguir padrões gráficos. Na questão artística, a facilidade para o autista manifesta-se no fato de ter que se isolar para deixar a criatividade se manifestar diante da introspecção, ter insights, aperfeiçoar a escrita, a arte, o pensar analítico sobre o mundo, sobre si e as "coisas" ao redor. Além disso, a moda caminha para o "estranho" valorizando-o grandemente, não e incomum que haja autistas que produzam trabalhos inovadores e "fora da caixa", pois temos a tendência a não seguir padrões de moda e essa tem sido a moda de agora (confuso, mas essa é a verdade que a Normcore diz). Susan Cain em seu livro O poder dos quietos, relata bem essa harmonia que alguns introvertidos conseguiram obter entre o trabalho em casa e o controle de seus sintomas. Aqui, eu te indicaria para leitura o livro de Susan Cain, O Poder dos Quietos.

  4. Concursos: deixei esse por último porque acredito que essa é a fonte de todas as outras opções. Quando digo "fonte", quero dizer o princípio da jornada que pode levar-te Às demais opções. Por força de lei, o autista agora está na condição de pessoa com deficiência, logo, possui reserva de vagas (quotas) em concursos. Tal reserva de vagas, o possibilita equidade dentro de uma concorrência, algo que reduz as notas concorrentes pra algo mais próximo à realidade de alguém com deficiência, privado de um ensino e aprendizagem compatível com suas limitações. Perdemos a concentração com frequência dentro da sala de aula em função da sensibilidade sonora ou fotossensibilidade, além da redução de aprendizagem em razão da desmotivação social imposta. Numa sala com mais 20, 30, 40 alunos temos que nos virar pra acompanhar o inacompanhável. Sem um professor que "traduza" nossas dúvidas para o professor e, igualmente, traduza a linguagem do professor pra nós (professor mediador) ficamos à deriva de um "mar de dúvidas" sobre a aula, o que gera um efeito dominó na hora das avaliações acadêmicas e, depois, nas demais aulas. Enfim, uma catástrofe de inabilidade de aprendizagem que parece não ter fim, nos acompanha até à universidade e depois, vem o mercado com outra proposta "avaliativa", que raramente somos os aprovados pela falta de comunicação e extroversão exigidos.


Pare de seguir todos os conselhos dos "gurus para concursos"


Uma pergunta engraçada que te fará remoer seus pensamentos sobre a forma como estudas para concursos, aí vai: Se os "gurus para concursos" são, em sua maioria, pessoas fora do espectro autista, por que você acha que seus conselhos também abrangem os autistas?

É uma pergunta que exige uma análise lógica tão simples e, mesmo assim, vejo autistas reclamando que não nasceram pra concursos, que nunca tiveram êxito. Bem, para essas, vocês já se questionaram que estão estudando conforme um padrão de cognição voltado apenas para neurotípicos?

Daí, eu comecei a me internalizar pra encontrar como meus pensamentos reagem aos conteúdos de estudo, quais os procedimentos que aumentam minha produtividade, a fim de encontrar o meu método de estudo. Fiz isso com êxito na universidade, é claro que esse método (que só serve para mim) ainda está passando por reajustes, e se tem um coisa que aprendi ao longo do tempo, após muitas leituras sobre estratégia, os métodos que usamos devem passar por contínuo aprimoramento e ajustes com a realidade.

Um exemplo, tenho déficit de atenção com uma "dobra no tempo" em razão de meu hiperfoco, meus pensamentos são, abundantemente, analíticos em sua compleição. Logo, depois que passei no concurso e comecei a trabalhar como servidora tive que mudar a compleição desse método de estudo que criei para mim mesma, isso porque, por mais que eu tentasse utilizá-lo em minha nova rotina de vida, ele era frequentemente expelido por conta de minhas limitações serem acentuadas em um ambiente de trabalho, então, eu chegava em casa com baixas reservas energéticas após meu serviço e não conseguia fazer minha mente acompanhar meu método antigo. Então, estou aprimorando-o forçosamente, conforme minhas limitações e deficiências mentais e cognitivas, estou em fase de estudo de um novo método que respondesse melhor à minha nova rotina.

Faço esses novos estudos por meio de leituras de artigos científicos sobre neuroplasticidade (porque, haja neuroplasticidade para aguentar mudanças com tais impactos), também estou lendo bastante sobre hiperfoco e escorregando meus olhos, de quando em vez, em leituras sobre a relação "obsessão x compulsão" do TOC.


Tenho chegado nas seguintes conclusões cara leitora:

  • Fibromialgia: presente no histórico de sintomas autísticos. Meu corpo dói muito, minha estrutura neuromuscular é bem compatível com a de alguém idoso. Ficar assentado em uma cadeira por horas faz com que, no outro dia, eu não consiga fazer o mesmo, sendo assim, para cada dia que ganho 1, perco 1 dia. Além disso, concursos que exijam teste de aptidão física já me excluem automaticamente, reduzindo minhas opções. Então, estudo na cama, que foi adaptada pra pessoas com Fibromialgia. O frio que sinto nas extremidades do meu corpo, também reduzem minha concentração nos estudos, se eu fico assentada em uma cadeira, esse frio aumenta pela redução abrupta da circulação sanguínea para as pernas. Se estou assentada na cama, minhas pernas ficam eretas, a circulação sanguínea é melhor e posso adicionar um cobertorzinho, que claro, também próprio para Fibromiálgicos. As roupas que uso diariamente são, meticulosamente, escolhidas para o meu bem-estar epidérmico devido ao quadro fibromiálgico. Logo, conselhos de "gurus" de concursos sobre estudo por horas líquidas, com horas reduzidas de estudo, longe de sua cama (que é pra não cair no sono) são forçosamente incapazes de ajudar estudantes como eu.

  • Hiperfoco: essa é uma relação bem desafiadora para autistas que são sedentos por uma "produtividade neurotípica", acredito que nós mulheres caiamos facilmente nessa armadilha (não vão vou me adentrar nos vieses dessa armadilha). Queremos dar conta de estudar para concurso e trabalhar, outras ainda vão além, além de toda essa rotina, querem ter uma produtividade satisfatória como "mães" ou como estudantes universitárias, até mesmo como uma praticante de atividades esportivas ou "extra-curriculares". Bem, essa é uma atitude ilusória para uma autista com seu altíssimo hiperfoco e sua neuroplasticidade comprometida. O hiperfoco que tenho (você pode adaptar à sua realidade), tem uma conta desigual. Quando mais eu me isolo para me dedicar à minha obsessão, mais eu me aprofundo aos níveis de hiperfoco, menos ansiosa fico, mais realizada estou, mais produtiva. Mas, o dilema de tudo isso é que o mundo não é feito somente de 1 coisa, ele exige que lidemos com "300 mil" questões adultas de produtividade, você tem sua casa para arrumar, tem seu corpo para cuidar e se você, mulher autista, tiver pouca sorte, tem que lidar com mais questões que essas, de alta complexidade e ainda sozinha. Eu te pergunto: como você vai ficar indo e voltando? alguma hora a conta fica desigual demais, as "travessias" comportamentais entre fazer várias coisas e fazer uma têm um preço. Para que eu entre num estado de hiperfoco altamente produtivo, tenho que ter conseguido isolar minha ansiedade por meio da satisfação do que estou fazendo (isso é fácil), mas para sair do hiperfoco e ir cuidar de outras coisas mundanas, não é fácil fazer essa troca, a "travessia" pode demorar dias, semanas, meses e anos.Pessoas com baixa qualidade em sua neuroplasticidade cerebral, onde as sinapses não conversam entre si muito bem, podem demorar anos pra entender que precisa "largar o osso" e resolver outras questões mais urgentes que seu hiperfoco, isso é doloroso. Em meu caso, tão doloroso, que chego a ter dores físicas nessas "travessias". Logo, os conselhos dos "gurus" de concurso sobre alternância de matérias durante o estudo, sobre "engenharia reversa", sobre planejamento de estudos por matéria ao dia e técnicas como "pomodoro" pra controle de tempo podem gerar efeito reverso ao esperado, quando tais técnicas necessitarem de "transições" rápidas entre tarefas.



 

Meu último conselho


Espero que você, cara leitora, tenha conseguido chegar até aqui na leitura, e entenda minhas desculpas de não poder me alongar mais no assunto, senão viraria um livro. Gostaria que entendesse que você está dentro de um espectro fora da neurotipicidade cerebral/comportamental, logo, tenha a coerência de entender que isso exige que você faça seu próprio método em tudo na vida.

A melhor palavra para definir uma estudante autista é: camuflagem.


Faça sua estratégia!


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