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  • Foto do escritorPriscilla Nogueira Castro

Teoria Cognitivo Comportamental: é possível excluir um hábito no Autismo?

O livro "Linguagem das emoções" de Paul Ekman me remeteu à história dos "gatilhos mentais" na Autista e às tentativas da Psicologia de eliminar os hábitos inconvenientes.

Olá Queridas mulheres autistas, quero deixar claro que aqui vão as palavras de Paul Ekman em conjunto às minhas divagações sobre o assunto. Em momento algum desejo que generalizem o que vou mencionar aqui a todos os cérebros autistas, mas que sirva de reflexão àquela autista que se sentir abrangida por esse tema! Boa leitura...



 

Bem, tudo começa quando vou a um psicólogo pela segunda, mas dessa vez é diferente.

Dessa vez eu saio com um diagnóstico (Autismo) e com sérias dúvidas sobre o que as terapias anteriores realmente fizeram comigo.


Cheguei a fazer coaching em uma época tenebrosa de minha vida, em que eu não conseguia sair de casa, detestava/evitava luz solar, um sono intenso que não acabava (mesmo acordada, após 12 horas dormindo, eu ainda estava letárgica e bocejando). Além disso, meu cabelo caía como pingos de chuva numa tempestade, diarréia e vômitos quando eu tinha que ir no banco ou lotérica, tinha crises gripais psicossomáticas estranhas e intensas, até um episódio estranho de crise glaucomática (aumento da pressão intraocular seguida de flashes na visão por mais de 12 meses).


Quando tive que começar a trabalhar, eu estava com 20 anos de idade (em 2012), fui arrastando e permaneci me arrastando e evocando forças em meu emocional até que me indicaram um Coach. Nunca tinha ouvido falar nesse processo de desenvolvimento emocional, mas diziam que conseguiam te direcionar até seus objetivos. Eu com muitos sonhos e pouca força, me senti tentada a procurar esse coach.

Foi uma época de muitas descobertas sobre mim mesma, o processo de coaching me fez confrontar muitos obstáculos emocionais e foi ali que descobri que eu era ansiosa (?!)


Um choque pra mim, lembro de me dizer constantemente: "não...eu não sou ansiosa, não posso ser, todos dizem que minha voz é suave e calma, eu sou a lerdeza em pessoa, nãÃOOOOooo".


Mas, enfim pra confirmar tudo, uma coach de emagrecimento que me atendeu na época me disse que eu não me alimentava e sempre estava abaixo do peso porque eu ficava ansiosa o tempo todo e isso inibia meu apetite. Comecei a achar sentido, parei pra pensar, realmente eu tinha nenhum ou pouco apetite quando eu tinha que sair de casa, quando eu ia trabalhar, quando tinha que ir a bancos e lotéricas (tinha pavor de locais muito aglomerados e/ou que você deva obedecer protocolos rígidos pra ser atendido). Descobri que eu estava com anemia severa antes de descobrir que eu estava ansiosa e tudo foi somente complementação...realmente ela tinha razão e se eu não aprendesse a controlar meu quadro ansioso eu não conseguiria ganhar peso a tempo e teria que ser internada (palavras da nutricionista que efetuou meu atendimento).


Gatilhos mentais: que p** é essa?


Depois de toda essa história, a coach começou a me falar de "gatilhos mentais", que existem as âncoras: memórias ultra-fortes que despertadas por gatilhos. Em outras palavras, o gatilho seria o pavio de uma bomba e eu que acendia a bomba acionando o gatilho e a, consequente, explosão, a âncora me prendendo ao fundo do mar, ele seria o motivo para despertar o estímulo/emoção. Me ensinaram dessa forma, mas vejo muitos coachs em discordância...mas isso eles resolvem depois, vamos ao que interessa não é?


Foi aí que comecei a ler livros sobre hábitos mentais, li o livro "O poder do hábito" (Charles Duhigg) e comecei a ter certeza que eu podia, de uma vez por todas, não ficar mais presa no fundo do mar, não ligar a bomba. E eu faria isso criando um novo hábito nas palavras de Duhigg, por de cima do hábito antigo e inconveniente, assim eu não teria mais gatilhos com que me preocupar, nem âncoras.


Meu grande erro:

- pensar que um gatilho pode ser excluído, desaparecer no tempo

- pensar que TODOS os hábitos conseguirão ser substituídos

- que antes do gatilho tem eu: acendendo ou não o "pavio da bomba"

- não assimilar que há pessoas com danos neuronais irreversíveis, como o é o Autismo

- achar que as historinhas neurotípicas conseguem ser aplicadas facilmente e plenamente àqueles neurodivergentes.


A Linguagem das emoções: o que Paul Ekman diz sobre os gatilhos?


Estava eu a ler este livro de Paul Ekman e me deparei com o seguinte trecho abaixo:

"O poder de um tema para desencadear uma emoção pode ser enfraquecido, mas não eliminado totalmente"

Nas páginas seguintes Paul Ekman se dedica a esmiuçar quais os 4 fatores que fortificam um "gatilho":

1. Proximidade com o tema desenvolvido: que se explica pela palavras diretas de Paul como "quanto mais próximo o gatilho aprendido estiver do tema, mais difícil será reduzir seu poder". O tema aqui está relacionado com o despertar das emoções erroneamente marcadas em seu cérebro, as situações interpretadas e ensinadas de forma indevida, episódios traumáticos, etc.


2. Grau de semelhança da situação vivida com a situação originária, em que o gatilho foi registrado e/ou aprendido.


3. Idade da pessoa quando foi exposta à situação, a que o gatilho foi aprendido: nas palavras de Paul Ekman "(...) a primeira infância é decisiva na formação da personalidade e da vida emocional. O que é aprendido nessa época é mais forte e resistente à mudança. Os gatilhos adquiridos em período tão decisivo podem produzir um período refratário mais longo."

Sabemos que o Autismo, em grande parte, são alterações permanentes e neuronais no desenvolvimento desde a concepção do indivíduo, logo, já entramos na primeira infância comprometidos há muito tempo, com alta facilidade de formar os gatilhos.

Talvez pudéssemos cogitar até pular as partes de Paul Ekman, pois elas falam de cérebros mais resilientes à formação de gatilhos que o de nós autistas. Em uma metáfora, qualquer "carbono" já é suficiente para nós autistas construirmos nosso pavio ou qualquer quantidade mínima de "oxigênio" já é suficiente para conseguirmos acender o pavio.


4. Carga Emocional inicial: que nas palavras de Paul é "Quanto mais forte as emoções forem vivenciadas no aprendizado do gatilho, mas difícil será debilitar seu impacto". Não sei você, mulher autista, mas sou muito intensa e sensível ao ambiente externo, mas também interno. Meu corpo físico sofre facilmente com qualquer desequilíbrio emocional e é fácil desequilibrar-me, ainda que esse desencontro seja imperceptível para mim e para os outros.

Luzes, Sons e até mesmo medicações são difíceis de serem harmonizadas com minha química orgânica; alimentos são radicalmente colocados para fora de meu organismo se não tiverem certos condimentos, textura, aparências e cheiros suaves e aceitáveis. O comportamento das pessoas são captados de forma rápida e sensível por mim, de modo que me assusto facilmente com qualquer mudança de padrão vocal, de escolha das palavras e outros. Então, creio que nesse ponto já saímos em desvantagem...


5. Densidade: "(...) se refere a episódios repetidos, coma alta carga emocional, que ocorrem em um curto período, mas com efeito de subjugar a pessoa". Nem preciso dizer desse aspecto, uma vez que para nós autistas todas as pessoas parecem "conspirar" contra nós, nos subjugando ao nos obrigarem a seguir padrões inaceitáveis à nossa genética comportamental e isso ocorre repetidas vezes, desde que nascemos e de diferentes formas violentas, consciente ou inconscientemente, dentro de um stress pós-traumático maior.


6. Estilo afetivo: "Cada um de nós difere na velocidade, na força de nossas respostas e no tempo de recuperação de um episódio emocional"..essa parte é a nossa cara (autistas), quem aqui nunca teve dificuldades, mais que o normal, de se recuperar de um episódio considerado "simples" para os neurotípicos. A cada "leve empurrão" da sociedade, uma crise de pânico, um meltdown, uma crise sensorial bem craising, quem nunca não é mesmo?

E Paul continua: Quem geralmente apresenta respostas emocionais mais rápidas e intensas enfrentará mais dificuldade para esfriar um gatilho quente.


Minha maior questão de vida


Talvez você, cara leitora, possa me ajudar com essa: um gatilho reprimido, enfraquecido e não retroalimentado por dias, meses, anos poderia voltar em seus momentos de fragilidade? segundo Paul Ekman, a resposta seria sim.

E como o tema anterior, a situação original e também reprimida voltaria, com menos ou mais força que antes de seu enfraquecimento ou substituição? Como ela lidaria com o fato de ter sido substituída, apesar de ter todos os motivos neuronais cabíveis para existir?

Somos informadas de que os gatilhos nunca serão eliminados, somente sufocados? Somos devidamente preparados pela comunidade terapêutica para quando eles retornarem?

Creio que eu só possa responder por mim mesma, por minha história terapêutica. Passei exatos 3 anos pensando que minhas âncoras haviam desaparecido por completo, que meus gatilhos inconvenientes já haviam sido superados. Mas, em 2017 eles retornaram com mais força do que nunca e sucumbi, praticamente implorei por minha internação.

Já não comia, saí com um diagnóstico de desnutrição severa e esgotamento físico e mental extremos, fui afastada do ambiente físico escolar. Foi aí que me senti a maior das fracassadas, trapaceada por meus genes.

Acontece que no fundo eu sei que há coisas em mim que não podem ser mudadas, ainda que eu passe bastante "maquiagem" nelas, e tais coisas, em sua maioria, deve ser analisado o impacto negativo de reduzí-las e, mais do que isso, por que devo reduzí-las, excluí-las mesmo?

 

Queridas Autistares, escrevo esse texto para nos levar a refletir em como as literaturas basilares sobre comportamento humano estão se dedicando para atender a pessoas com Transtornos Globais do Desenvolvimento.

Frequentemente, em consultórios, em terapias nos empurram um padrão desenvolvimentista que não foi moldado em nosso comportamento basilar, nem sequer possuem amostragem correta e cultural dos Autistas para validação de um método terapêutico.

Descobri que ao fazerem análise comportamental de alguém, um especialista não consegue concluir sua análise quando o indivíduo possui Autismo, pois tendemos a não demonstrar emoções faciais, nossas microexpressões faciais são adversas e dessincronizadas. Até mesmo na linguagem corporal somos completamente diferentes dos neurotípicos e de suas reações frente às mesmas situações. Reagimos diferentemente a tudo. Então, por que nos deixar tão parecidos terapêuticamente?


Deixo-vos aqui minha humilde percepção, espero que vocês possam contribuir comigo caso possuam objeções! Entre em contato conosco por nossa página no Facebook: @mulheresasperger24


És guerreira por ter chegado até aqui, até a próxima Autistar!


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